Thursday, December 26, 2013

365 - still standing

É inevitável, chegando ao final de mais um ciclo, fazer esta pausa. Há que tirar este tempo para tomar consciência de tudo o que 2013 assinalou.

Foi um ano de muitas mudanças. Tive quase tudo o que desejei ter. E não estava preparada.

A profissão. 
Foi-me pedido o impossível. Para que esquecesse tudo o que sabia, e adorava, fazer, e para que embarcasse numa missão dura e condenada. Para o que desse e para o que viesse. (Será esta minha impulsividade um defeito? Pergunto-me várias vezes.) Às 11 horas e quinze minutos lançaram-me esta bomba, vestiram-na de desafio - que a escolha das palavras tem esse peso na decisão - às 12 horas e trinta minutos, fumava um cigarro, mãos nervosas, estômago apertado, e precisamente às 14 horas troquei de camisola, mudei de campo e entrei num jogo para perder. Essa seria a única garantia. Tudo o que não fosse isso, seria a vitória possível. 
Essa noite foi em branco, apesar dos comprimidos. A que veio depois dessa também. Estava sozinha. Estava absolutamente proibida de dar informações sobre esse assunto a quem quer que fosse e a mostrar o mínimo sinal de fragilidade. Assim foi. Sozinha durante o dia. Ainda mais durante a noite. Doía e aliviava conforme a cadência da minha respiração. Acomodei-me ao desconforto e decidi que, na falta de melhor, seria esse o meu propósito de vida.

O amor.
Apaixonei-me. Pedi um príncipe e ele apareceu-me à porta, montado num cavalo laranja sobre duas rodas. Tudo o que imaginei impossível num homem. Tudo o que no meu inconsciente já tinha desistido de procurar. E ele chegou. Aproximou-se sem querer e entrou irremediavelmente na minha vida. As coisas boas foram-se sucedendo e, em larga escala, superando as menos boas, aquelas que são os trambulhões de quem se está a conhecer, a ajustar, a baixar as guardas e a lutar contra os seus instintos de defesa. A impulsividade? Sempre um passo à minha frente. E quando vi, tinha deixado o meu pára-quedas bem no princípio do caminho, provavelmente numa boleia improvável que um estranho me ofereceu num dia de sol até à margem sul. Não nos falávamos há muito tempo. E um equívoco numa mensagem levou a uma ida à praia, e a ida à praia levou a uma travessia de barco, longos abraços, misturando madeixas de cabelo rebeldes de vento com fumo de cigarros, carícias ansiosas, desejos de mais, de muito mais. 

A auto-estima.
Pequena, quando penso nas coisas. A insegurança. Não me amar o suficiente. A mentira. Esconder de mim, o que não quis assumir em voz alta. Acreditar que sou igual aos outros e que, efectivamente naquela tarde não saí de casa. Não me vi, figura triste, cinzenta, distorcida e descontrolada à procura de um químico, uma  ajuda, uma droga, sim, todas as palavras são feias para classificar essa substância de que precisava para me voltar a fazer sentir eu, novamente. Mas quem serei eu, afinal? Qual das duas versões? Qual das duas podia eu escolher, para mim? Para o meu companheiro? Como dar a conhecer a versão mais obscura de mim, sem que ele fugisse desse filme de terror? Se nem eu mesma a consigo suportar? E se eu fosse apenas e só essa versão escangalhada de gente?

Fui fraca. Escondi-a. Matei-a. Enterrei-a. Decidi que essa parte de mim não pode existir, nem para mim, nem para ninguém. Menti. Uma fracção de segundo é tudo o que é preciso para deitar absolutamente tudo a perder. E, nessa fracção de segundo, fui muito mais obscura do que aquilo que eu queria esconder. E aí, perdi-me de mim própria. 
Teria dado anos de vida para voltar àquela tarde e ter tomado outra decisão A única possível.
Tentei explicar-me, justificar-me, mas não chegou. Nada mais valeu a pena. Tive um castigo duro, uma tortura intensa. Doeu muito durante muito tempo. Durante muito tempo, tive o vazio a que me condenei. O vazio à mesa, no sofá, na cama, nas conversas, nos pensamentos.
Mas não fraquejei. Insisti. Fiquei. Sabia que aquilo que eu sentia, e o que sabia ele sentir também, era maior do que qualquer outra coisa. Acreditei e agarrei-me a isso com todas as minhas forças. Fui caindo. Fui-me levantando. E caindo. 
E aí aprendi algo novo sobre mim. Que talvez não fosse assim tão fraca. Não o deixei ir, mesmo que ele me mandasse embora, mesmo que me ofendesse propositadamente com palavras inenarráveis. Com palavras que tantas vezes me fizeram chorar. E só aí entendi também a dimensão em que o magoei. Mas fiquei, porque era ele o homem com quem eu queria passar o resto dos meus dias. Determinei-me a mostrar-lhe que eu não sou aquilo. Aguardei pacientemente que, entre a espada e o escudo, surgisse uma pequenina nesga por onde eu pudesse provar a força do meu amor, a segurança do meu arrependimento. Decidi dar e dar, sem esperar nada em troca. Esta abertura foi lentamente crescendo. E cada dia o meu amor crescia mais. Mesmo com raiva, mágoa, ressentimento, foi um princípe. Foi-me acompanhando nos momentos mais difíceis. Foi-me mostrando que também eu estava errada e que, mesmo não entendendo a natureza das ratoeiras do cérebro humano, ele estaria lá nos piores momentos. Enclausurada no meu pior pesadelo, prestes a elevar-me a milhas do chão, entre nuvens e tempestades, disse-me com poucas palavras que estaria lá durante todo o caminho. Os meus olhos encheram-se de lágrimas e meu peito desabou em convulsivamente. Tive naquele instante a certeza de que nada de mal me podia acontecer. 

Ontem, fez-me  uma festa no rosto. Fez-me prometer que não voltaria a mentir-lhe. 
Não bastasse a ideia de não voltar a olhar o seu rosto, a contorná-lo com os meus dedos, a beijar os seus lábios, a adormecer nos seus braços, a entrelaçar as minhas mãos nas suas.. não bastasse tudo isso, este erro ensinou-me muito mais do que isso. Não só não posso voltar por em causa o seu espaço na minha vida, como não poderei nunca mais dar-me a hipótese de me perder de mim mesma. Dessa certeza não abdico. E com isso vem outra aprendizagem. O amor só pode existir em plenitude. E é assim que eu me apresento, cheia de imperfeições, inseguranças e defeitos e é despida de máscaras que decido avançar para o "nós". E é também dessa forma que o vou amar, nos seus bright and dark sides.

Agora sim, voltei ao meu caminho. 
Agora, sim, estou preparada.
Agora sei, consigo qualquer coisa.
Venham mais trezentos e sessenta e cinco. Venham fáceis ou venham difíceis. Mas venham.
I'm still standing.